"Que o Senhor vos ilumine, abençoe e vos proteja."

sábado, 29 de agosto de 2015

Achado Arqueológico & insensibilidade humana (Tribunal do Santo Ofício de Évora)


Joaquim Palminha Silva
Um “achado arqueológico” acontecido em Évora nos anos 2007 e 2008 (?), durante escavações em propriedade da Fundação Eugénio de Almeida(FEA) situada na “acrópole” da cidade, depois estudado em pormenor no ano de 2013, só agora (Agosto de 2015!) veio a conhecimento público, aparentemente através de artigo na revista da especialidade em língua inglesa, Journal of Anthropological Archaeology, com a “assinatura” de três investigadores portugueses do «Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Universidade de Coimbra», que contaram com a colaboração do Departamento de Biologia da Universidade de Évora.
O dito “achado” é constituído pelos restos mortais de 12 adultos, lançados na lixeira do extinto palácio da Inquisição de Évora, hoje Fórum da Fundação Eugénio de Almeida. Segundo os investigadores, trata-se das ossadas de pessoas de origem judaica, referentes aos anos de 1568 a 1634, que nem sequer foram “julgadas” pelo então Tribunal do Santo Ofício. A estes restos mortais somam-se perto de mil ossadas de mais de 16 pessoas.
A existência da prisão por simples denúncia, seguida de torturas físicas, sofrimentos incalculáveis e morte em fogueira ateada em espaço público na cidade, no período compreendido entre 1542 e 1781, de inúmeras vítimas da intolerância religiosa levada a cabo pelo Tribunal do Santo Ofício de Évora, bem como a eventual existência de soterrados restos mortais destes desgraçados penitentes, não são um “assunto” privado de uns quantos investigadores, provavelmente em busca de percursos curriculares, nem tão pouco uma questão que apenas diz respeito à FEA, seus imóveis e espaços a céu aberto. Os restos mortais destes seres humanos, onde quer que sejam encontrados, são “propriedade” da História de Évora e, tragicamente, da História de Portugal!
O espírito cristão e humanista em que fui educado, a minha formação cívica e democrática, bem como a opinião pública avisada que ainda deve existir em Évora (laica ou religiosa), obrigam-me a colocar as questões que a seguir se expõem.
 1) - Nesta ordem de ideias, e partindo do princípio de que as escavações arqueológicas em espaço privado da FEA, só devem ter sido possíveis com o consentimento da prestigiada instituição, não se percebe porque existiu um silêncio de cerca de sete anos sobre o “achado”? Que se pretendeu acautelar?
2) – Os investigadores de Coimbra entendem que, publicações da sua especialidade e cientificamente fiáveis, só as estrangeiras, isto é, as anglo-saxónicas, pois as nacionais parecem-lhes talvez patuscas, sonolentas, incapazes de servir as grandes relevações arqueológicas de que o seu talento é capaz?
3) – Naturalmente acompanhado por uma discrição inusitada da FEA, a que se fica a dever também o silêncio conivente sobre o “achado” arqueológico, por parte daUniversidade de Évora?
4) – A que tipo de ignorância cultural e humanista se fica a dever o silêncio e, portanto, a ausência de opinião da Câmara Municipal de Évora (CME), instituição do poder local democrático, sobre este macabro “achado”? Sobretudo, no que se refere ao respeito e dignidade que devemos aos restos mortais de pessoas que foram vítimas da intolerância anti-cristã da Inquisição de Évora? Que tipo de desmemória é esta, precisamente quando a CME é gerida por membros de um partido político que, historicamente, conheceu as perseguições, a prisão, a tortura física e a morte, apenas por ter opinião política contrária ao regime da ditadura salazarista?
Que haverá de indiscutíveis novidades históricas,que não sejam já conhecidas, a sacar aos restos mortais dos “justiçados” da Inquisição de Évora que, pela documentação existente e o resultado de várias investigações já publicadas (entre as quais sublinho a do Prof. António Borges Coelho)?
Para que submeter a novos «tratos de polé» os restos mortais de pessoas martirizadas há uns quantos séculos? Não têm elas o direito de descansar em paz?
Porquê? – Porque eram supostamente judeus e, por isso, a “ciência” histórica deve ignorar o humaníssimo respeito pelos mortos, capitulando face às exigências da arqueologia, da antropologia e não sei mais quantas habilidades académicas? - Mas os nazis alemães não justificaram de diferente maneira as suas experiências “científicas”, sobre os martirizados judeus nos campos de concentração!
Não pode a CME garantir o abrigo e repouso dos restos mortais destes eborenses e alentejanos, avós dos nossos avós, em talhão próprio no cemitério municipal, requisitando para isso as ossadas à FEA?
No passado, a existência das comunidades judaicas entre nós, deram ocasião à nobreza, a parte numerosa de eclesiásticos e à ignara populaça de Évora para acender uma fogueira por semana na Praça Grande, após espoliar os bens dos queimados… Hoje, os restos mortais dos mártires da Inquisição, servem para arredondar currículos e municiar noticiários…
Não creio que a FEA aceite este horrível e escusado estado de coisas materialista, por isso apelo para a sua originária inspiração cristã e humanista, crente de que se mais “ninguém” reservar espaço condigno para o «descanso em paz» destas ossadas, a Fundação o fará com a dignidade exigida!

Planta (nível térreo) do Tribunal do Santo Ofício de Évora, levantada pelo arquitecto Mateus do Couto, em 1636.

Pendão do Tribunal do Santo Ofício de Évora (séc. XVII), dado como existente no Museu de Évora, segundo a revista Cidade de Évora, nº47, de 1964.
Autor: Palminha da Silva

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