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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Papelaria Nazareth na Praça do Giraldo

Papelaria Nazareth na Praça do Giraldo

A papelaria situava-se aqui na Praça Grande (sob as arcadas)

Com mais de cem anos de existência, é mais prestigiada livraria a Sul do Tejo e foi ponto de encontro obrigatório de muitas gerações de intelectuais locais ou que passaram pelo Alentejo, mormente no período entre 1920 e 1970. Tanto quanto parece, é a mais antiga loja da cidade.

Embora já sem o fulgor de outros tempos, conserva um estatuto impar no comércio cultural eborense. No edifício onde a loja está implantada funcionou no século XIX o Seminário de Évora e, logo depois, uma ordem monástica feminina.

Em 1890 o piso era térreo, altura em que foi alugado por Eduardo de Sousa, uma conhecido comerciante da cidade.

Três anos depois, António da Silva Nazareth entra para empregado e, em 1897, passa a sócio com uma pequena cota. Mas só em 1906 se tornou seu proprietário e deu à loja a sua actual designação. Eduardo de Sousa vendeu-lhe a sua parte para saldar dívidas de jogo contraídas na Soc. Harmonia Eborense.

A loja alargou o seu leque de ofertas, passando a vender chás, lotarias, perfumes e brinquedos. “kodakes” e postais, executando ainda trabalhos ortográficos e de encadernação. Assim reza um anúncio publicado nos anos 20 do século passado que o seu actual sócio gerente Joaquim Manuel Nazareth – conhecido demógrafo e professor catedrático jubilado do Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação da Universidade Nova de Lisboa – guarda “religiosamente”.

Por esses anos, o poeta João Vasconcelos e Sá, fazendo alusão à variedade comercial do estabelecimento, compôs a seguinte letra para uma revista teatral eborense que conheceu grande êxito na época “ dentro dos arcos da praça / a loja do Nazareth / tem selos, correntes, carteiras e pentes / impressos / compassos, carimbos, romances, cachimbos / kodaques, tabaco, postais e rapé”.

No entanto, a grande paixão do nosso amigo Nazareth eram os livros e logo que pôde tratou de assegurar um espaço mais reservado na loja para esse fim.

O local acabou mesmo por se tornar um centro de cavaqueira dos intelectuais cá do burgo ou vivendo nas proximidades. Florbela Espanca e José Rodrigues Migueis eram, então, dois dos que ali passavam horas a fio.

O entusiasmo foi tanto que o proprietário tentou incutir nos irmãos a paixão pelo comércio de papelaria e livraria, ajudando-os a criar estabelecimentos do sector em Portalegre, Beja, Faro e Santarém.

Em 1950 houve uma separação da livraria do restante estabelecimento pela colocação de três degraus que a colocaram no patamar ligeiramente superior. Foi então que a casa conheceu os seus maiores momentos de glória. Virgílio Ferreira (ali fotografou varias vezes) e o grupo da Soeira, composto pelo médico Alberto Silva e pelos pintores Saul Dias, António Charrua e Henrique Ruivo, eram os frequentadores mais assíduos.

Menos frequentes eram, Álvaro Lapa, Fernando Namora, Maria Lamas, José Régio e Fernando Namora.

Cerca de dez anos depois António Nazareth, avô do Joaquim Manuel, aproveitou o facto da companhia Vacum oil ter abandonado o primeiro andar do prédio para comprar o edifício.

Mas com a debandada para outras paragens, principalmente Lisboa, de muitos dos seus principais animadores fez-se sentir em demasia e a livraria deixou de ter a pujança de outros tempos.

Quase todos da família se vieram a estabelecer no ramo.

Assim aconteceu com Carapinha e Gaspar, já extintas, e a papelaria livraria José António, este o melhor de todos por quanto lá passaram.

Só o 25 Abril proporcionou alguns embaraços, quando foi apelidada, vá saber-se porquê, de livraria do “fascismo”.

Segundos dizem, uma designação surgida das bandas comunistas, que ali perto implantaram uma delegação da Editorial Caminho (Livraria Bento de Jesus Caraça), a qual acabou por encerrar as suas portas após oito anos de actividade.

Entretanto, António Nazareth, um escravo da fumaça e que todos os dias – fosse Inverno ou Verão – se apresentava vestido de colete e respectivo relógio de bolso, falecia em 1978 com 98 anos de idade. Sucedeu-lhe um filho que, justamente com José Manuel Cabeça, um empregado associado, apostou mais no sector da papelaria e do material de escritório, desguarnecendo um tanto a livraria.

Com a morte prematura do filho fundador abriu-se uma crise profunda na empresa.

Foram os netos – Joaquim Manuel Nazareth e a irmão que vieram a herdar o estabelecimento. Com a nova gerência a livraria ganhou novo folgo entregue aos cuidados de Maria José Bastias, que alia o conhecimento da matéria à simpatia do trato.

Por fim diga-se que os seus proprietários não precisam da loja para viver, uma vez que tiveram outras profissões que lhes asseguraram uma reforma sem sobressaltos.

Sabe-se que para já não está nas sua intenções vender aquele espaço, embora o mesmo seja um alvo apetecido e muito cobiçado devido à sua localização privilegiada.

Para eles a loja é um símbolo da vida cultural eborense e uma excelente herança a perpetuar a memória do seu avô.

Resta saber até quando os eus proprietários vão resistir às ofertas de alguns milhares de euros que lhes são feitas.

Trajes do Alentejo - Evora.
Edição da Papelaria Nazareth - Evora - n°1.
Anos :1940/1950

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