Na elaboração desta resenha histórica sobre o Convento de Nossa Senhora da Luz fomos confrontados, mais uma vez, com a escassez de informação.
As informações aqui reunidas foram dadas pelo Inventário Artístico de Portugal (Distrito de Portalegre) de Luís Keil, publicado em 1943; a Chronica da ordem dos Cónegos Regrantes do Patriarcha Santo Agostinho, de Frei Nicolau de Santa Maria, editada em 1658; alguns documentos da Chancelaria de D. Sebastião; Documento de Frei Francisco da Ressurreição de 1574 ; As Leis Gerais do Convento de 1772 e um Inventário efectuado em 1834 (aquando da extinção do convento).
A Fundação :
Data de 10 de Janeiro de 1570 a carta enviada por D. Sebastião a D. André de Noronha, bispo de Portalegre onde ordena que se construa um mosteiro da ordem de Santo Agostinho na vila de Arronches (V. Apêndice nº 2). É também o bispo de Portalegre, D. André de Noronha, quem manda o vigário Cristóvão Falcão doar a ermida da Nossa Senhora da Luz a frei Diogo de S. Miguel, provincial da ordem de Santo Agostinho (V. Apêndice nº 3).
Os motivos da construção do Convento, as negociações e as pessoas envolvidas são-nos relatados por Frei Francisco da Ressurreição, num texto de 1574 (V. Apêndice nº 4). Numa separata do volume XXIX dos "Arquivos do Centro Cultural Português", intitulada "Cristovão Falcão, Vigário de Arronches. Um caso de homonímia ?," de Ladislau Pereira de Figueiredo e Silva, faz-se referência ao documento assinado por Frei Francisco da Ressureição. Apresentamos aqui o texto integral:
"No tempo em que era bispo de Portalegre D: André de Noronha, um padre daí natural, frei Hilário de seu nome, "nobre em geração e muito mais na virtude", tentara fundar na cidade um convento da Ordem de Santo Agostinho a que pertencia. Não logrando sucesso, projectara erigi-lo na vila de Alegrete. E não conseguindo ainda aqui concretizar o pio propósito que o animava, por força do "contrário parecer de um só homem", tomara o rumo da vila de Arronches, onde tinha parentes, na companhia de um amigo, o licenciado Luís de Campos. E achando-se nesta vila, no adro da que na época era a simples ermida de Nossa Senhora da Luz, sobrevieram-lhe uma particular devoção e um desejo ardente de edificar naquele local o convento a cuja erecção Alegrete se negara. Perseverando nessa tenção, tivera tratos com um fidalgo, Gaspar Valente, que exercia as funções de juiz dos órfãos, e com outros principais da mesma vila. Ao apoio logo recolhido, tanto de nobres como de populares, viera posteriormente juntar-se o próprio empenho real, entretanto suplicado, e que se manifestou através de uma carta de D. Sebastião ao Bispo, não só apadrinhando o propósito como até recomendando brevidade na sua concretização. De posse da carta, reunira-se frei Hilário com o cronista e com o Provincial da Ordem, para juntos irem a Portalegre apresentá-la ao Bispo. Recebera-os este de boa feição, logo os despachando de regresso a Arronches, com ordem para tomarem posse da ermida de Nossa Senhora da Luz, lugar escolhido para a erecção do futuro convento. Partiram no dia seguinte, desta feita acompanhados pelo já mencionado Luís de Campos, por Gaspar Vaz de Sousa e por Bernabé de Sousa. Chegados que foram, deram conhecimento das ordens do Bispo ao vigário da vila, Cristovão Falcão. " (p.439)
O Convento de Nossa Senhora da Luz é fundado em pleno período de Reforma Católica da Igreja na Europa e, consequentemente, em Portugal.
As alterações que se verificam na Igreja, durante o séc. XVI, são causadas pela crise das mentalidades que o Renascimento havia provocado. Aquele fizera desenvolver o principio da autonomia mental do Homem, permitindo-lhe uma livre expressão do seu ideal religioso. Também a crise geral do séc. XIV havia afectado a própria Religião Cristã: uma mentalidade colectiva de medo e angústias favorecia as crenças e práticas de magia.
As alterações que se verificam na Igreja, durante o séc. XVI, são causadas pela crise das mentalidades que o Renascimento havia provocado. Aquele fizera desenvolver o principio da autonomia mental do Homem, permitindo-lhe uma livre expressão do seu ideal religioso. Também a crise geral do séc. XIV havia afectado a própria Religião Cristã: uma mentalidade colectiva de medo e angústias favorecia as crenças e práticas de magia.
Aplicou-se a crítica dos textos antigos aos textos da Sagrada Escritura, pondo ainda mais em evidência a riqueza e ostentação da Igreja.
É com a Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero, no séc. XVI, que se vão verificar, então, profundas alterações na Igreja. Aparecem outras doutrinas como o Calvinismo (França) e o Anglicanismo (Inglaterra).
Em Portugal, D. João III tenta travar as influências da doutrina luterana através do Santo Ofício e da reforma da vida conventual. É deste modo que a Inquisição desempenha um papel fundamental na reforma da Igreja e na disciplina religiosa da população.
"As fontes históricas comprovam a crise interna por que muitos conventos passaram desde o início do séc. XVI. Os princípios da observância foram postos em causa por clérigos que defendiam a maior participação das ordens religiosas na vida dos fiéis, entendendo que a clausura não bastava para espalhar largamente a mensagem cristã." in SERRÃO, Joaquim Veríssimo, História de Portugal, Vol. III, Verbo, Lisboa.
É com este espírito de participação e de assistência às populações, por parte dos religiosos, que os governantes fomentam, um pouco por todo o país, a criação de casas conventuais.
O Convento de Nossa Senhora da Luz, como já foi dito anteriormente, pertenceu aos religiosos Agostinhos Calçados. Esta Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, pela sua elevada capacidade de influência junto das populações, torna-se capaz de a cristianizar. Essa influência passava, necessariamente, pelo apoio moral e espiritual, sob a doutrina da Igreja Católica. Frei Francisco da Ressurreição diz-nos o seguinte a propósito da fundação do Convento:
"(...) os professos dessa mesma regra que somos nos hermitãos e filhos de santo agostinho legitimo, depois de tantos tempos fossem os primeiros que nella edificassem mosteiro: para que com sua doutrina, exemplos, orações, e conselhos indusissem os moradores dela ao seruiço de Cristo Jesu filho de deus, basse e fundamento de nossa fe, e coroa dela."
Para além disso, e de acordo com Francisco Gama Caeiro, " os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho tinham interpretado a sua regra de pobreza como um dever de dar assistência a pobres e enfermos."
Desta forma, a presença dos Crúzios na vila de Arronches, leva-nos a apontar Arronches como um importante pólo difusor dos ideais cristãos e, simultaneamente, monárquicos, assim como, um importante centro populacional, uma vez que esta ordem se fixava em locais onde esta condição era uma realidade. A fundação do Convento contribui, igualmente, para a formação de clérigos mais ligados aos aspectos e práticas sociais.
O decreto de 1834 e a extinção das ordens religiosas :
O poder temporal do Clero provocava reacções no espírito de muitos deputados do regime constitucional. Acima de tudo, pretendiam acabar com os abusos no exercício do poder espiritual.
Desta forma, a legislação de Mouzinho da Silveira atinge as velhas corporações religiosas. "Dizia o ministro que Portugal tinha, na devida proporção, o maior número de conventos de toda a Europa, o que se traduzia num peso morto para o Tesouro, pelas contribuições que assim escapavam ao rigor do fisco." Isto significava, antes de mais, que o governo intervinha na esfera das ordens religiosas, mostrando a sua claraoposição às instituições conventuais, muito mais do que em relação ao corpo secular da Igreja.
Apesar de não atacar de frente as ordens regulares, "D. Pedro achou o momento azado para mostrar que sabia levar às consequências extremas a parte doutrinal que envolvia a actuação dos seus conselheiros e ministros." Promulga a 30 de Maio de 1834 o Decreto de extinção de todos os "Conventos, Mosteiros, Collegios, Hospicios e quaesquer casas de religiosos das Ordens Regulares" (Anexo nº 5 ). O Ministro da Justiça e das Instituições Religiosas, Joaquim António Aguiar, diz as seguintes palavras sobre tal Decreto: "Está hoje extincto o prejuizo que durou séculos, de que a existência das Ordens Regulares é indispensável à Religião Catholica, e util ao Estado, e a opinião dominante é que a Religião nada lucra com ellas, e que a sua conservação não é incompatível com a civilização, e luzes do século, e com a organização politica, que convem aos povos."
Descrição do interior e do exterior :
O edifício do Convento de N.Sª da Luz encontra-se actualmente encerrado e em adiantado estado de degradação - é propriedade de um particular e já foi anteriormente utilizado para habitações e dependências agrícolas
Não foi possível visitar o seu interior, de forma a realizar-se um estudo aprofundado e exaustivo das suas características histórico-arquitectónicas.
O único espaço a que se tem livre acesso é a varanda que ladeia o claustro. Este é constituído por uma galeria com arcos de volta perfeita. No centro do jardim existe uma cisterna; bancos decoram este espaço interior, bem ao gosto renascentista.
As descrições mais pormenorizadas são-nos relatadas pelo Padre Luiz Cardoso, no século XVIII, e Luís Keil, no seu Inventário Artístico de Portugal:
"Há nesta Villa hum Coonvento de Religiosos Agostinhos Calçados, debaixo da invocação de Nossa Senhora da Luz, Imagem muito milagrosa e frequentada de romarias (...) O Convento em si he pequeno, com seu claustro proporcionado todo de columnas à roda, sobre as quaes correm as varandas: tem todas as officinas necessarias para o commodo de seus religiosos, que nelle costumaõ assistir, e boa renda."
"Do antigo convento, as partes mais importantes são as duas dependências do lado principal da igreja, provàvelmente o refeitório e a casa do Capítulo. Na maior dessas dependências, cujos tectos são abaulados, encontram-se graciosos relevos em alvenaria, em molduras presas por fitas estreitas e encerrando uma série de emblemas simbólicos tais como: mitras, báculos, corações e legendas quási indecifráveis pela muita cal com que têm sido revestidas. Na dependência mais pequena os motivos ornamentais são muito mais interessantes. Grandes rótulos no estilo característico da época, envolvem emblemas religiosos relativos à Ordem de Santo Agostinho. As imagens de Santo Agostinho entronado, com mitra e báculo e a de S. Paulo, Eremita, estão dispostas em caixotões emoldurados. Outros medalhões com as imagens dos quatro evangelistas circundam a decoração. No fundo, entre um panejamento suspenso por dois anjos, destaca-se a imagem de Nossa Senhora da Luz, padroeira e orago do Convento.(...) A fachada principal, com largo pórtico e frestas em forma de seteiras, deita para um pequeno eirado no Largo da Cadeia."
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